"... Não surpreende o surgimento de um nicho de consultorias digitais e de gurus tecnológicos, os quais insistem na ideia de que uma sociedade detentora de tantos dados vai acabar solucionando todas as contradições que o sistema capitalista global não consegue resolver por conta própria: ao nos proporcionar trabalhos flexíveis e bem remunerados; ao punir os participantes deletérios do mercado por meio de mecanismos de autocorreção instantâneos; ao introduzir eficiência e sustentabilidade onde antes não havia – e tudo isso graças a aparatos inteligentes.
Todas essas previsões podem ter seu fundo de verdade, mas certamente essa não é a única lição a extrair da comparação entre dados e petróleo. Cabe lembrar que a história do petróleo no século xx também se caracteriza pela violência, por pressões corporativas, guerras incessantes e desnecessárias, derrubada de regimes democráticos na expectativa de assegurar o controle de recursos estratégicos, aumento da poluição e alterações climáticas. Se os dados são o petróleo do século xxi, quem vai ser o Saddam Hussein deste século?..." p. 8
A tese deste livro é simples: hoje, toda discussão de tecnologia implica sancionar, muitas vezes involuntariamente, alguns dos aspectos mais perversos da ideologia neoliberal. Pior ainda, pouco importa o lado que se escolha, visto que quase todas as críticas do Vale do Silício também estão alinhadas com o neoliberalismo. ...
Não é que as promessas do Vale do Silício sejam falsas ou enganosas – ainda que muitas vezes isso ocorra –, mas elas só podem ser entendidas, por exemplo, através do prisma da dissolução do Estado do bem-estar social e da sua substituição por alternativas mais enxutas, rápidas e cibernéticas, ou através do prisma do papel que a livre circulação de dados está destinada a desempenhar sob um regime de comércio global totalmente desregulado... p. 23